Por Angelo Demétrius Guilherme
Em terra de cego, quem tem um olho é rei, desde que nada esteja obstruindo a visão do soberano. Mas e se não existir a opção de nos despedirmos dos cegos do castelo e irmos cuidar do nosso jardim, como sugerido pela música Cegos do Castelo da banda Titãs? Poluição visual são as coisas que o ser humano coloca no ambiente e que causam algum tipo de desconforto visual a pessoas e animais. Mas nada impede que comecemos a pensar sobre este tipo de poluição pela perspectiva de seus efeitos em nossos concidadãos deficientes visuais. Será que por não enxergarem eles teriam preferência especial por viverem em ambientes mal cheirosos?
Além de serem obrigados a conviver com esta triste realidade, os deficientes visuais lidam de forma mais desafiadora que as demais pessoas com fontes de odores desagradáveis, correndo mais riscos de tropeçar em sacolas, sacos de lixo, montes de papelão, madeira, vidro, metal, isopor, plástico, garrafas PET, latas, e tantas outras coisas. Nesta corrida de obstáculos, estão também as placas, cartazes, faixas publicitárias, folhetos, panfletos, e tudo mais que esteja jogado em locais públicos. E correm o risco de atropeladamento por algum pedestre ou motorista distraído pelo excesso de informação visual ao qual “os que não são cegos” estão expostos.
Por mais que alguém se recuse a enxergar a poluição visual como tal, este tipo de poluição afeta sim as pessoas que “não são cegas”. É consenso entre estudiosos do tema que a poluição visual causa desordens psíquicas às pessoas, tais como stress, fadiga e ansiedade. E lá se vão nossos agora caridosos compatriotas cegos carregando o fardo do convívio com pessoas que estão mais propensas aos desequilíbrios emocionais causados pelos efeitos psíquicos da poluição visual. Luminosidade urbana, sinalização de trânsito, fachadas comerciais, cartazes, outdoors, prédios degradados, redes elétricas, telefônicas e lógicas (internet), antenas, torres, aterros sanitários, resíduos naturais e artificiais, fumaça, poluição plástica (sacos, sacolas, embalagens), vandalismo e depredação são fontes de poluição visual. Um estudo realizado pelo Instituto Paulista de Stress, Psicossomática e Psiconeuroimunologia – IPSPP – provou que esta poluição visual aumenta os níveis de stress, de cansaço visual e de insônia das pessoas. Tais condições são muito propícias para o desenvolvimento de doenças mentais.1
Ocorre que uma parte da poluição visual urbana, relacionada às atividades de pichação, depredação e vandalismo, poderia estar correlacionada com as condições de vida das pessoas que as praticam. Estes tipos de poluição visual devem ser abordados
e tratados cautelosamente de forma a considerar a hipótese de que talvez sejam manifestações da insatisfação social com o meio ambiente no qual seus autores são obrigados a viver. A discrepância de investimentos em educação, saúde, segurança pública, saneamento, limpeza pública, iluminação e transporte, entre as zonas mais ricas e mais pobres da cidade, pode levar a desesperadas manifestações contra a desigualdade social. Em outros casos é inadmissível considerar as condições sociais dos autores da poluição visual, tal qual a produzida por empresas de energia elétrica, telefonia e de internet. O emaranhado de fios é irracional, ilógico, caótico. Não faz sentido que empresas que se vendem como a vanguarda da evolução organizacional de nossa sociedade levem seus serviços a público em tamanha e horrenda desordem.
Atuando em um mercado sem regulação adequada, empresas apelam desenfreadamente para a propaganda e o marketing via outdoors, marquises, placas, faixas e banners, que nos sobrecarregam de informação e nos estimulam a consumir inconscientemente. Pela regulação do espaço publicitário seria possível diminuir gastos públicos e privados, posto que o consumo de matéria-prima também seria reduzido. Por outro lado, a regulação contribuiria para que a concorrência se desse mais em termos de qualidade (criatividade) do que em quantidade (tamanho e multiplicidade).
Além de contribuir com a melhoraria da qualidade de vida das pessoas, uma regulação que diminuísse o espaço destinado à publicidade poderia revelar belezas escondidas por ela. É o que nos mostra o documentário Art Déco Oculto, do cineasta Jadson Jr.2
No filme é apresentada a riqueza arquitetônica de Goiânia, que dispõe de um vasto catálogo de obras em Art Déco com enorme potencial turístico nacional e internacional, devido à quantidade e à qualidade das obras. A apreciação dessas obras é dificultada, sufocada e até bloqueada pelo entorno visual poluído da cidade.
O filme aponta que pode existir, e provavelmente existe, um “tesouro” escondido por detrás da ação publicitária predatória na capital goiana.
Goiás já se apresenta como um polo de turismo ambiental respeitado nacional e internacionalmente. Uma vez que os turistas ambientais, rurais, de aventura ou de negócios tenham a opção de desfrutar também o turismo cultural em solo goiano, a capacidade máxima de absorção das outras atividades turísticas na capital e no interior poderiam ser estabilizadas, otimizadas e expandidas com maior facilidade.
De 22 a 30 de abril de 2022 teremos a semana internacional do céu escuro 3, organizada pela International Dark-Sky Association dentro do mês Global da Astronomia, organizado por sua vez pelos Astrônomos Sem Fronteiras (Astronomers Without Borders). Estes eventos nos convidam a refletir sobre a poluição luminosa, que aumenta nossa sensação de sufocamento, além de sobrecarregar ainda mais nossas caras e já comprometidas fontes de energia elétrica. Apaguemos algumas de nossas luzes externas e acendamos mais de nossas luzes internas, a fim de enxergar a lua, as estrelas, os planetas, o universo. Quem sabe elas nos ajudem a ver a beleza que produzimos e desprezamos, desperdiçando recursos sociais e econômicos de maneira ineficaz, insalubre e improdutiva. Que as luzes do universo nos ajudem a nos ver mais humanos, a ver o que de mais belo já produzimos e ainda podemos oferecer especialmente para os que vivem rodeados do que não é belo, saudável, seguro ou funcional.
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Publicado em: 19/05/22
De autoria: casadevidro247
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